"ESCUTA..."

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011





Todos os espetáculos da ESPAÇO LISO CIA. DE DANÇA nascem de inquietações do seu Diretor e Coreográfo e cuminam no que podemos chamar de "incosciente coletivo", ao menos sempre existe uma partilha por parte dos intérpretes e colaboradores da Cia. a respeito do mesmo tema.



A inspiração para "ESCUTA..." Nasceu em Junho de 2010, no I Festival de Contato e Improvisação de Salvador, quando participei de um momento maravilhoso com FERNANDO NEDER num curso ministrado por ele no evento. Acho que ele nem imaginava o quanto a frase de John Cage "nenhum som teme o silêncio que o extingue, e nenhum silêncio existe que não esteja grávido de sons", por ele citada, gerou em mim um processo inspirador de entendimento de algo que sempre me fortaleceu muito "o silêncio".
Até aproximadamente os 14 anos eu fazia do silêncio a minha mais segura fortaleza, eu sentia como se as palavras me fizessem esvaziar, falar era como estar nu sem propósito, sem razão, sem sentido... Eu achava altamente desnecessário que os meus pensamentos, tão intensos por dentro, precisassem sair pela boca. Talvez por isso mesmo a dança sempre foi em mim uma forma de transportar, sem obviedade, toda a dimensão de um mundo silencioso que nenhuma palavra consegue dar real significado. Mas acontece que o mundo exige que a gente se comunique, é necessário que o indivíduo verbalize os seus pensamentos se quiser ocupar algum espaço por aqui e essa violência me deu outras possibilidades de transfigurar a minha voz interior.



Ainda hoje, quando mergulhado em algum problema, eu retorno ao meu estado mais primitivo. Eu regresso ao meu canto mais aconchegante e seguro, onde a ausência de tudo e principalmente do som me permite encontrar as respostas que preciso para resolver o que me atinge. Por isso mesmo a minha produção artística parte de uma reflexão pessoal , de uma percepção muito particular sobre as coisas que afetam inicialmente a mim, mas que são comuns a todos os seres humanos dotados de sensibilidade.



Ainda em salvador, experimentando a "música orgânica" e me deliciando na descoberta do movimento a partir do contato com as pessoas, com o espaço, com as sensações, com o silêncio, eu percebi que a gente se move muitas vezes por forças coercitavas que não dominamos. As obrigações, a nossa rotina, a realidade social na qual nos inserimos para coexistir com os demais indivíduos nos faz esquecer as nossas próprias razões para se mover. E somente quando chegamos ao colapso, quando o caos nos impõe o recuo é que realmente silenciamos o trânsito do nosso dia a dia e podemos ouvir um pouco das nossas reais necessidades.



O festival de contato de salvador me trouxe a confirmação daqueilo que eu já sabia mas nunca senti verdadeiramente como naquele período, a certeza de que para nos mover precisamos do que é orgânico, é preciso escutar para dentro. Existe em nós um potencial perceptivo e sensível que só conseguimos atingir quando estedemos o que seja ESCUTAR verdadeiramente o que precisa ser vivenciado. O que nos move é invisível, inaudível, sensorial sem necessariamente se utilizar de sentido algum.



Até mesmo escutar as necessidades do corpo do outro depende da nossa capacidade de apropriamento das nossas necessidades. Não pode ofertar nada quem não tem a aforecer...



Quando retornei a Aracaju, com a cabeça e o corpo repleto de inquietações, canalizei a minha motivação na busca de aprofundar a pesquisa sobre a "ESCUTA..." e criar um trabalho com a minha Cia. que venha a possibilizar tocar as pessoas... No mesmo período o livro de Clarice Lispector " APRENDENDO A VIVER" e um programa da peça que a Beth Goulart apresenta em São Paulo me chegou às mãos. Sempre gostei da obra de Clarice (quem não gosta?), mas descobrir que o silêncio influenciou tanto a sua produção literária, me fez unir a minha ideia à uma literatura tão incrível quanto à dela. Sei que Lispector já influenciou muitos artistas, que por sua vez, já criaram grandes obras a partir da sua inspiração. Mas cada olhar é único e a forma de ser tocado é particular (isso Clarice já falou).



"Escuta..." não terá nenhum comprometimento com a biografia de Clarice Lispector, nem tão pouco a pretensão de trazer à tona toda a complexidade da sua literatura, a nossa ideia é aproximar as inquietações de Clarices ás nossas inquietações, uma partilha silenciosa de palavras e dança.
Ewertton Nunes (Diretor e Coreógrafo)



ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ESPAÇO LISO: 
Ewertton Nunes

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