Percepção Sonora E A Educação Musical (ESCUTA...)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011



O mundo está repleto de sons e o silêncio absoluto talvez não exista. Ainda no ventre materno temos os primeiros contatos com o universo sonoro; o pulsar do coração e o mergulho no líquido amniótico que nos envolve formam nossa primeira paisagem sonora. Depois, as vozes materna e paterna e os sons do mundo a nossa volta logo se somam a esta paisagem que começa a ser colorida. Podemos, também, enquanto nos concentramos neste pensamento descrever os sons que ouvimos a nossa volta. Acerca disso, Rosa Fucks, em seu livro o Discurso do silêncio cita John Cage: "Nenhum som teme o silêncio que o extingue, e nenhum silêncio existe que não esteja grávido de sons".(FUCKS, 1991, p 16.)

Quando pensamos em educação musical precisamos estar atentos ao universo sonoro ambiental, e assim, percebemos que o mundo a nossa volta é sonoro; os sons estão em toda parte e o sentido da audição, principal forma de percepção sonora, não possui, de forma literal, um botão de ligar ou desligar. Schafer destaca: "O sentido da audição não pode ser desligado à vontade. Não existem pálpebras auditivas. Quando dormimos, nossa percepção sonora é a última porta a se fechar, e é também a primeira a se abrir quando acordamos"( SCHAFER, 2001, p. 29.). Villa-Lobos, se preocupava, já na década de 1930, com a necessidade de se formar público capaz de apreciar, através de uma audição mais seleta, a arte dos artistas das gerações que estavam por vir, ou seja, com a formação de um ouvinte inteligente capaz de ouvir e selecionar o que é significativo ou não para si, para a sociedade e para seu ambiente. Para ele, os meios de comunicação de massa iriam dominar e dirigir o gosto do público e sendo assim, vislumbrou a possibilidade de implantar no Brasil um programa de educação popular cuja base mais importante estaria na arte musical coletiva como forma de uma educação socializadora. Schafer cita Wagner, que define a importância da audição inteligente da seguinte forma: "O homem voltado para o exterior apela para o olho; o homem interiorizado, para o ouvido".(Id. Ibid, p 29.) Poderíamos completar dizendo: O ser humano pouco atento aos sons que houve é como alguém que enxerga mais não vê.

Parafraseando Copland, que divide de maneira hipotética a audição musical em três planos - plano sensível, plano expressivo e plano puramente musical -, dividiremos, também, a percepção sonora, de uma maneira geral, em três planos: o plano geral, plano significativo e plano consciente.

O plano geral seria aquele onde nós não nos damos conta do que ouvimos, de que forma ou quanto ouvimos. Estamos o tempo todo envoltos numa odisséia sonora, e mesmo assim, não nos damos conta disto; não nos preocupamos em selecionar nenhum som específico, seja ele, bom ou ruim, bonito ou feio, agradável ou não. Estamos sendo, neste momento específico, afogados num mar de sons e poderíamos também chamar este plano de plano da banalização sonora. No plano significativo nos tornamos um pouco mais atentos; buscamos um sentido, um significado para os sons que ouvimos e/ou produzimos, e, mesmo ainda não tão preocupados com seus efeitos ou conceitos estéticos, estamos mais atentos. Por fim temos o plano que mais nos interessa o plano consciente; O plano consciente é aquele onde nos tornamos ouvintes muito mais atentos, preocupados com os sons nocivos ao ambiente, com os sons em extinção, com o nível de decibéis que podemos suportar com segurança, enfim, nos tornamos ouvintes inteligentes capazes de selecionar com consciência os sons que queremos ouvir ou produzir, os sons que queremos preservar ou extinguir. Como fez Copland ao dividir o plano de audição musical, nós também o fizemos apenas para melhor compreendê-los, e é importante ressaltar, que poderão surgir outras terminologias ou formas de entendimento.

A percepção do universo sonoro, de forma inteligente, perpassa de maneira interdisciplinar pela educação musical, pois, música, educação e ambiente, formam uma tríade em constante tangência. Quem poderia melhor trabalhar a percepção sonora que os professores de educação musical? Para isto, primeiramente, nós, educadores musicais, precisamos estar abertos a aprender mais do que ensinar, pois, o universo sonoro, está em constante mutação o que nos obriga a uma reciclagem cotidianamente atenta. Sons e mais sons são acrescidos dia-a-dia a nossa paisagem sonora formando uma macro-composição, e, podemos encarar os sons ambientais como uma peça musical em dimensões universais, assim, precisamos romper, em nossa função de mediadores, com modelos e paradigmas pouco flexíveis.

Schafer destaca o que consideramos objetivo principal de nossa pesquisa:

Apresentar aos alunos de todas as idades os sons do ambiente; tratar a paisagem sonora do mundo com uma composição musical, da qual o homem é o principal compositor; e fazer julgamentos críticos que levem à melhoria de sua qualidade(SCHAFER, 1991, p. 284.)

A educação musical não deve ser pensada de forma desarticulada do ambiente social. O pensar contextualizado e significativo deve estar presente também na vida dos educadores músicos, construindo, assim, saberes de uma arte que se dá no tempo e não nos permite negligenciar o ambiente sônico ao seu redor.

A música do passado teve seu lugar num tempo social que lhe permitiu existir da maneira e forma que é, ao passo que a música do presente existe no tempo que hoje lhe oportuniza e não no tempo do passado. Sendo assim, buscar compreender o nosso universo sonoro deve ser o primeiro passo a ser dado. A paisagem sonora do século XVII é muito diferente da paisagem sonora de hoje, e podemos, através da história e da música, imaginar como ela era, sem conseguir, contudo, influir no que já foi. Hoje somos os atores principais de nossa história sonora e entendê-la pode influir de maneira positiva no que ela será amanhã, despertando nos alunos o prazer da descoberta e não somente a falsa certeza da constatação.

Marco Aurélio A. da Silva, é Instrumentista, compositor, pesquisador, professor universitário, arranjador e produtor musical. Bacharel em Música, Especialista em Docência do Ensino Superior e Mestre em Ensino de Ciências do Ambiente.
Contato: maureliosilva@ig.com.br


Autor: Marco Aurélio A. da Silva

http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_2758/artigo_sobre_percepcao_sonora_e_a_educacao_musical



ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ESPAÇO LISO: 
Ewertton Nunes

CLARICE E O SILÊNCIO (ESCUTA...)

O círculo que leva da palavra ao silêncio, e deste novamente para a palavra, encontra nesse conto um ponto de equilíbrio, como se ambos, palavra e silêncio, cada um em um “momento” da circunferência, em um dado momento “escorregassem” para um mesmo ponto do círculo, finalmente se encontrando. Nesse sentido, esboça-se, aqui, um processo de aproximação da música, através do artifício do contraponto, o qual atingirá o paroxismo em Água Viva, onde se evidenciam, explicitamente, aqueles traços típicos da escrita de Clarice que já estavam presentes em toda a sua obra anterior mas que aqui aparecem despidos de toda amarra de gênero ou paradigma que limite o sentido: a recusa da narrativa e a busca do silêncio, o qual, se mais do que inapreensível, é incomunicável, ao menos é passível de ser “tocado” através da aproximação daquilo com que mais se parece: a matéria viva, representada em suas formas mais reduzidas e absolutas, como a medusa, a água-viva. O orgânico-primordial, então, confunde-se com o Absoluto, com o espiritual, e sob esse prisma, o elemento “água”, presente ao longo do texto, longe de se constituir unicamente num sentido químico, agrega a si o sentido a ele atribuído pelos antigos alquimistas: água como “um princípio de fluidez, fertilidade; umidade ao mesmo tempo mórbida e geradora” (12), elemento, enfim, mais sutil que a matéria e a linguagem, pois pode elevar-se como vapor e depositar-se como orvalho; água como elo entre o transcendente, o silêncio; e o concreto, a palavra.
Essa fluidez de água, da qual o texto busca se aproximar, é também a fluidez polifônica de uma peça musical, pois em Água Viva os temas nascem e se repetem num jogo de variações e fuga análogo ao da música. Assim como a música nada mais é do que uma moldura para o silêncio, uma maneira de tornar perceptível a ausência do som, o texto de Água Viva é um longo adágio, um andamento lento e contínuo para além das fronteiras da palavra:
.............Que música belíssima ouço no profundo de mim. É feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. É música de câmara. Música de câmara é sem melodia. É modo de expressar o silêncio. (13)
Sob o aspecto da palavra como um meio de expressão do silêncio, Água Viva talvez seja o texto mais perfeito de Clarice Lispector, pois ao mesmo tempo em que constitui o auge do paradoxo que funda sua escrita (só através da palavra é que o silêncio pode ser dito), também é o momento de resolução do paradoxo, através da abdicação do desejo de relatar o mundo. O mundo, então, com tudo o que ele contém, passa a ser, simplesmente, sem explicações.

(A PALAVRA E O SILÊNCIO: O ESOTERISMO DE CLARICE LISPECTOR
JÚLIO CÉSAR DE BITTENCOURT GOMES)
Este é um recorte da publicação do Júlio César, segue abaixo o link para quem quiser conferir na íntegra.

http://www.triplov.com/coloquio_05/julio_cesar.html



ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ESPAÇO LISO: 
Ewertton Nunes

"ESCUTA..."






Todos os espetáculos da ESPAÇO LISO CIA. DE DANÇA nascem de inquietações do seu Diretor e Coreográfo e cuminam no que podemos chamar de "incosciente coletivo", ao menos sempre existe uma partilha por parte dos intérpretes e colaboradores da Cia. a respeito do mesmo tema.



A inspiração para "ESCUTA..." Nasceu em Junho de 2010, no I Festival de Contato e Improvisação de Salvador, quando participei de um momento maravilhoso com FERNANDO NEDER num curso ministrado por ele no evento. Acho que ele nem imaginava o quanto a frase de John Cage "nenhum som teme o silêncio que o extingue, e nenhum silêncio existe que não esteja grávido de sons", por ele citada, gerou em mim um processo inspirador de entendimento de algo que sempre me fortaleceu muito "o silêncio".
Até aproximadamente os 14 anos eu fazia do silêncio a minha mais segura fortaleza, eu sentia como se as palavras me fizessem esvaziar, falar era como estar nu sem propósito, sem razão, sem sentido... Eu achava altamente desnecessário que os meus pensamentos, tão intensos por dentro, precisassem sair pela boca. Talvez por isso mesmo a dança sempre foi em mim uma forma de transportar, sem obviedade, toda a dimensão de um mundo silencioso que nenhuma palavra consegue dar real significado. Mas acontece que o mundo exige que a gente se comunique, é necessário que o indivíduo verbalize os seus pensamentos se quiser ocupar algum espaço por aqui e essa violência me deu outras possibilidades de transfigurar a minha voz interior.



Ainda hoje, quando mergulhado em algum problema, eu retorno ao meu estado mais primitivo. Eu regresso ao meu canto mais aconchegante e seguro, onde a ausência de tudo e principalmente do som me permite encontrar as respostas que preciso para resolver o que me atinge. Por isso mesmo a minha produção artística parte de uma reflexão pessoal , de uma percepção muito particular sobre as coisas que afetam inicialmente a mim, mas que são comuns a todos os seres humanos dotados de sensibilidade.



Ainda em salvador, experimentando a "música orgânica" e me deliciando na descoberta do movimento a partir do contato com as pessoas, com o espaço, com as sensações, com o silêncio, eu percebi que a gente se move muitas vezes por forças coercitavas que não dominamos. As obrigações, a nossa rotina, a realidade social na qual nos inserimos para coexistir com os demais indivíduos nos faz esquecer as nossas próprias razões para se mover. E somente quando chegamos ao colapso, quando o caos nos impõe o recuo é que realmente silenciamos o trânsito do nosso dia a dia e podemos ouvir um pouco das nossas reais necessidades.



O festival de contato de salvador me trouxe a confirmação daqueilo que eu já sabia mas nunca senti verdadeiramente como naquele período, a certeza de que para nos mover precisamos do que é orgânico, é preciso escutar para dentro. Existe em nós um potencial perceptivo e sensível que só conseguimos atingir quando estedemos o que seja ESCUTAR verdadeiramente o que precisa ser vivenciado. O que nos move é invisível, inaudível, sensorial sem necessariamente se utilizar de sentido algum.



Até mesmo escutar as necessidades do corpo do outro depende da nossa capacidade de apropriamento das nossas necessidades. Não pode ofertar nada quem não tem a aforecer...



Quando retornei a Aracaju, com a cabeça e o corpo repleto de inquietações, canalizei a minha motivação na busca de aprofundar a pesquisa sobre a "ESCUTA..." e criar um trabalho com a minha Cia. que venha a possibilizar tocar as pessoas... No mesmo período o livro de Clarice Lispector " APRENDENDO A VIVER" e um programa da peça que a Beth Goulart apresenta em São Paulo me chegou às mãos. Sempre gostei da obra de Clarice (quem não gosta?), mas descobrir que o silêncio influenciou tanto a sua produção literária, me fez unir a minha ideia à uma literatura tão incrível quanto à dela. Sei que Lispector já influenciou muitos artistas, que por sua vez, já criaram grandes obras a partir da sua inspiração. Mas cada olhar é único e a forma de ser tocado é particular (isso Clarice já falou).



"Escuta..." não terá nenhum comprometimento com a biografia de Clarice Lispector, nem tão pouco a pretensão de trazer à tona toda a complexidade da sua literatura, a nossa ideia é aproximar as inquietações de Clarices ás nossas inquietações, uma partilha silenciosa de palavras e dança.
Ewertton Nunes (Diretor e Coreógrafo)



ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ESPAÇO LISO: 
Ewertton Nunes