CLARICE E O SILÊNCIO (ESCUTA...)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
O círculo que leva da palavra ao silêncio, e deste novamente para a palavra, encontra nesse conto um ponto de equilíbrio, como se ambos, palavra e silêncio, cada um em um “momento” da circunferência, em um dado momento “escorregassem” para um mesmo ponto do círculo, finalmente se encontrando. Nesse sentido, esboça-se, aqui, um processo de aproximação da música, através do artifício do contraponto, o qual atingirá o paroxismo em Água Viva, onde se evidenciam, explicitamente, aqueles traços típicos da escrita de Clarice que já estavam presentes em toda a sua obra anterior mas que aqui aparecem despidos de toda amarra de gênero ou paradigma que limite o sentido: a recusa da narrativa e a busca do silêncio, o qual, se mais do que inapreensível, é incomunicável, ao menos é passível de ser “tocado” através da aproximação daquilo com que mais se parece: a matéria viva, representada em suas formas mais reduzidas e absolutas, como a medusa, a água-viva. O orgânico-primordial, então, confunde-se com o Absoluto, com o espiritual, e sob esse prisma, o elemento “água”, presente ao longo do texto, longe de se constituir unicamente num sentido químico, agrega a si o sentido a ele atribuído pelos antigos alquimistas: água como “um princípio de fluidez, fertilidade; umidade ao mesmo tempo mórbida e geradora” (12), elemento, enfim, mais sutil que a matéria e a linguagem, pois pode elevar-se como vapor e depositar-se como orvalho; água como elo entre o transcendente, o silêncio; e o concreto, a palavra.
Essa fluidez de água, da qual o texto busca se aproximar, é também a fluidez polifônica de uma peça musical, pois em Água Viva os temas nascem e se repetem num jogo de variações e fuga análogo ao da música. Assim como a música nada mais é do que uma moldura para o silêncio, uma maneira de tornar perceptível a ausência do som, o texto de Água Viva é um longo adágio, um andamento lento e contínuo para além das fronteiras da palavra:
.............Que música belíssima ouço no profundo de mim. É feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. É música de câmara. Música de câmara é sem melodia. É modo de expressar o silêncio. (13)
Sob o aspecto da palavra como um meio de expressão do silêncio, Água Viva talvez seja o texto mais perfeito de Clarice Lispector, pois ao mesmo tempo em que constitui o auge do paradoxo que funda sua escrita (só através da palavra é que o silêncio pode ser dito), também é o momento de resolução do paradoxo, através da abdicação do desejo de relatar o mundo. O mundo, então, com tudo o que ele contém, passa a ser, simplesmente, sem explicações.

(A PALAVRA E O SILÊNCIO: O ESOTERISMO DE CLARICE LISPECTOR
JÚLIO CÉSAR DE BITTENCOURT GOMES)
Este é um recorte da publicação do Júlio César, segue abaixo o link para quem quiser conferir na íntegra.

http://www.triplov.com/coloquio_05/julio_cesar.html



ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ESPAÇO LISO: 
Ewertton Nunes

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